31 março 2008

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não
chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.


Eugénio de Andrade, As Palavra Interditas

17 março 2008

Grito para nós:

Não gastem as palavras. Não as tornem insensíveis. Não as tornem secas. Não as tornem banais.
Saudade: É dos sentimentos mais duros e difíceis que existe.
Mas é bom.

Arriscar

Vou pela estrada menos percorrida,
não tenho medo de perder.
Se esse for o caminho certo,
o que nos leva lá,
vou ousar segui-lo.

É só andar; andar junto à berma;
andar sabendo que nem o último a chegar,
nem o último!
Vai perder.

Basta não desistir.

E se isto não passar de palavras,
de nojo escrito, de grito mudo:
significa que perdi.

E bastava não ter desistido.

05/03/08

05 março 2008

Preciso de poesia para gritar!
para nem olhar para o dia,
para ver nas palavras
uns olhos como
os meus,
que,
se afunilam, se retraem e fecham
porque tudo o que entra.
arde.

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