11 maio 2007

Civilização

"E depois voltámos para as alegrias únicas da casa, para as janelas desvidraçadas, a contemplar silenciosamente um suptuoso céu de Verão, tão cheio de estrelas que todo ele parecia uma densa poeirada de ouro vivo, suspensa, imovél, por cima dos montes negros. Como eu observei ao meu Jacinto, na cidade nunca se olham os astros por causa dos candeeiros - que os ofuscam: e nunca se entra por isso numa completa comunhão com o universo. O homem na capitais pertence à sua casa, ou, se o impelem fortes tendências de sociabilidade, ao seu bairro.
Tudo o isola e o separa da restante Natureza - os prédios obstrutores de seis andares, a fumaça nas chaminés, o rolar moroso e grosso dos ónibus, a trama encarceradora de vida urbana...
Mas que diferença, num cimo de monte, como Torges! Aí todas essas belas estrelas olham para nós de perto, rebrilhando, à maneira de olhos conscientes, uas fixamente, com sublime indiferença, outras ansiosamente, com uma luz que palpita, uma luz que chama, como se tentassem revelar os seus segredos ou compreender os nossos... E é impossivél não sentir uma soliedariedade perfeita entre esses imensos mundos e os nossos pobres corpos. Todos são obra da mesma vontade. Todos vivem da acção desse vontade imanente. Todos, portanto, desde os Úranos até aos Jacintos, constituem modos diversos de um ser único, e através das suas transformações somam na mesma unidade. Não há ideia mais consoladora do que esta - que eu, e tu, e aquele monte, e o Solque, agora, se esconde são moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando sobre o mesmo Fim."

in Civilização de Eça de Queiroz

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