31 março 2008

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não
chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.


Eugénio de Andrade, As Palavra Interditas

5 comentários:

m&m disse...

Apesar de acreditar que eras menino para escrever assim, ficava bem dizer que o autor é Eugénio de Andrade, sim?!

tomás disse...

Não, não era menino para escrever assim...
Tens razão! Esqueci-me...

m&m disse...

Boa! Mais completo do que o esperado!
E és menino para escrever bem. Pode não ser assim, mas não deixa de ser bom o que escreves. E sem erros! :)

tomás disse...

Óbrigadus!

m&m disse...

:) De nádaz!

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